O renascer do gigante

Esta reportagem foi integralmente retirada de uma revista Motojornal dos anos 90. O texto é da responsabilidade de Mário Figueiras e as fotos de Jorge Morgado e Metalurgia Casal.

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Depois de um período algo conturbado, a Metalurgia Casal parece ter encontrado a dinâmica necessária para ultrapassar as dificuldades que a abalaram durante a década de oitenta, podendo, finalmente, pensar-se num relançamento sustentado de toda a sua actividade produtiva. Numa recente conversa com um dos novos responsáveis pela Metalurgia, foram confirmadas todas as espectativas que envolviam o futuro deste verdadeiro colosso e que deixam antever um futuro promissor para este grande construtor nacional.

 

 

Paulo Barros Vale, o jovem presidente do conselho de administração da Metalurgia Casal recebeu-nos com grande amabilidade e foi com esperança bem patente no rosto que correspondeu à nossa intenção de conhecer os novos rumos de uma empresa que poderá ser considerada como um dos pilares da nossa indústria de veículos de duas rodas.

M.J.- Em primeiro lugar gostariamos de saber qual a situação actual da Metalurgia Casal?

B.V.- Como sabem, a Metalurgia Casal comemora este ano o seu 25 aniversário. É uma empresa de raíz portuguesa que teve, no passado, uma importante projecção, tanto a nível nacional como internacional e dentro dessa projecção inclui-se um famoso record do mundo de velocidade, facto que terá de ser considerado, especialmente no nosso país. Normalmente, nós portugueses fazemos as coisas um pouco pior que os outros e nós, na Metalurgia Casal, vamos tentar fazer o melhor que soubermos.

Somos um grupo de três jovens empresários e decidimos, em meados do ano passado, voltar a colocar a Casal no lugar que já ocupou. Esta é uma empresa muito verticalizada que viveu, durante a década de oitenta, um período dificil, fruto dos estrangulamentos financeiros provocados por transformações no mercado e também por importantes investimentos que a empresa fez no fim dos anos setenta e que levaram à criação de uma situação difícil. Este grupo de três pessoas, no qual se incluem o Manuel Fernandes Magalhães, o Rui Faria e eu próprio, está empenhado em fazer da Casal uma marca da qual os Portugueses se possam orgulhar. Olhamos para a empresa sob duas ópticas distintas, mas possíveis de compatibilizar. Por um lado, na óptica da Metalurgia Casal ser, de facto, uma empresa metalúrgica de dimensão importante que pode produzir uma quantidade significativa de peças e componentes de valor acrescentado para determinado tipo de indústrias e, em particular, para produtores exigentes do mercado internacional, o que, em termos genéricos, poderiamos chamar de sub-contratação.

 Por outro lado, vamos continuar a desenvolver a área tradicional da empresa como produtora de motores e de veículos de duas rodas, para além de uma área paralela que é a produção de equipamentos agrícolas.

No que diz respeito à questão dos motores e das motorizadas, temos a consciência que fazer produto de qualidade em Portugal, não só pela dimensão do mercado mas também pelos constrangimentos diversos a que o país está sujeito neste momento, será impossível num médio ou longo prazo se a Casal estiver sozinha e quem diz a Casal diz qualquer outra empresa portuguesa. É obvio que iremos tentar explorar relações com outros fabricantes de nome e de grande qualidade, junto dos quais possamos potenciar o parque industrial que a Casal possui. Não temos, neste momento,, nenhum objectivo de associação no capital, temos sim o objectivo de encontrar parceiros que possam trocar experiências e em que nós possamos ter um papel importante em termos de cooperação bilateral. Há contactos que estão a ser feitos, no entanto, seria prematuro desvendar todos os pormenores de uma possível ligação.

De qualquer forma, há dez anos que a Casal não produzia uma máquina nova e era indispensável que houvesse uma nova agressividade da Metalurgia num mercado e por essa razão, já em Abril deste ano vamos apresentar um novo modelo, não escondendo a nossa vontade de lançar mais algumas novidades até ao final do ano.

 

 

 

Paulo Barros Vale é o jovem empresário que preside, actualmente, aos destinos da Metalurgia Casal.

 

 

Entre a Boss e uma scooter.

 

 

M.J.- Como será, então, esta nova máquina?

B.V.- Será uma máquina que se colocará entre a Boss, que se vai manter no mercado, e uma scooter. Está equipada com amortecedor central, arranque eléctrico, adaptado ao comprovado motor de duas velocidades e nós gostávamos que fosse escolhida pelos jovens portugueses como veículo de transporte preferencial. As outras coisas que vamos fazer dentro em breve, inserem-se em gamas completamente distintas. Com esta nova máquina, que se chamará Bossini, pretendemos penetrar não só no mercado nacional, mas também e especialmente, no mercado espanhol, no qual existem já alguns contactos. Nesta fase de renovação estamos empenhados em apostar fortemente na qualidade e nalguma evolução em termos de motores, o que virá a suceder ao longo do tempo pois um motor não se transforma de um dia para o outro, no entanto, gostaria de vos adiantar que a Casal vai construir, de raiz, um moderno laboratório que vai ser, juridicamente, independente da própria Metalurgia e que vai estar ligado às Universidades de Aveiro e Coimbra, bem como a outras empresas metalomecânicas da região. Este laboratório vai permitir realizar inúmeros trabalhos de investigação que não são possíveis com os actuais meios técnicos. O edificio e a maquinaria serão completamente novos e o complexo ficará instalado nos próprios terrenos da Casal, sendo de esperar que venha a ser um realidade dentro deste ano de 91.

M.J.- Em relação à Bossini, porquê a escolha de uma transmissão convencional e não de uma transmissão automática?

B.V.- Como referi há pouco, um motor não se modifica de um dia para o outro e este motor de duas velocidades está mais que comprovado em termos de resistência. De qualquer forma, há que dar destaque à introdução do arranque eléctrico e aí seremos os primeiros em termos nacionais. Não é líquido que a Casal se envolva no projecto de um motor equipado com variador, pelo menos a médio prazo, já que todos os projectos em que a empresa se envolver a partir deste momento terão de ser rentáveis e terão de a viabilizar economicamente.

Nós temos algumas dúvidas se um investimento desse tipo seria facilmente recuperável.

 

 

Peças para a Derbi.

 

 

M.J.- No capítulo da sub-contratação, o que é que a Casal tem entre mãos neste momento?

B.V.- Estamos a fabricar peças para a Derbi, nomeadamente caixas de velocidades, bielas e eixos de conta-rotações. Esta associação com a Derbi é tão interessante quanto se sabe que a marca espanhola aposta forte na qualidade dos produtos e tem vindo a sofrer uma forte evolução, de modo que achamos muito interessante este relacionamento, não só em termos de negócios que podem, de facto, vir a ter um volume interessante, mas também porque se consegue uma troca constante de experiências.

O que nós pretendemos é que a Casal não seja uma empresa portuguesa fechada sobre si, que vá aprendendo com os outros e que seja cada vez mais evoluída. Ao nível do pessoal, podemos afirmar que temos vindo a realizar um grande esforço no sentido de rejuvenescer os quadros técnicos e fabris, depois de termos deparado com uma situação em que mais de um terço das pessoas tinha mais de 50 anos e estamos a aplicar um sistema de reformas antecipadas, de mútuo acordo com os trabalhadores mais idosos. Paralelamente, estamos a apostar fortemente na nossa escola de formação profissional, que tem hoje 80 aprendizes e a fortalecer os quadros técnicos da empresa, sendo de referir a entrada recente de quatro engenheiros.

Diria que tudo isto é um trabalho que não vai produzir resultados já para o próximo mês, mas temos confiança no futuro e cremos firmemente que o nosso país merece ter uma empresa de qualidade na área da metalomecânica e para isso, a aposta no laboratório é estratégica para nós.

Muitos estrangeiros têm visitado as nossas instalações e é comum a referência ao controlo de qualidade. Felizmente, hoje em dia existem instrumentos no nosso país que permitem apostar nessa área.

 

 

 

A Bossini será a primeira grande aposta desta nova gerência, sendo de destacar a introdução do arranque eléctrico e de um sistema monoamortecedor na suspensão traseira.

 

Penetrar em Espanha.

 

 

M.J.- Essa vossa relação com a Derbi poderá deixar antever uma tentativa de penetração no mercado espanhol através do construtor catalão?

B.V.- De maneira nenhuma. A ligação que temos com a Derbi tem a ver apenas com o fornecimento de peças que são utilizadas na produção da própria Derbi. A vontade da Casal estar no mercado do país vizinho passará certamente por outro tipo de clientes, nunca por um fabricante como a Derbi. Neste momento eles têm um acordo preferencial com a Aprilia e negócios com a Kawasaki de modo que não será por aí que nós penetraremos em Espanha.

O mercado espanhol merece ser encarado com grande responsabilidade pois trata-se de um país com 50 milhões de habitantes, com condições naturais e uma sociedade aberta à utilização de veículos de duas rodas.

M.J.- Pretende, a Casal, manter uma certe exclusividade em relação aos seus produtos ou estariam abertos ao fornecimento de motores para qualquer outro construtor nacional?

B.V.- Certamente, a Casal é, fundamentalmente, uma produtora de motores. Esta situação já se verificou no passado e se alguns montadores se afastaram, isso ficou a dever-se por um lado, à dificuldade da Metalurgia em garantir os prazos de entrega, mas também não podemos esquecer a dificil situação que o sector vivia na época, levando à falência de algumas empresas do ramo, tal como sucedeu em outros países.

Para além de Espanha, também os países africanos de expressão oficial portuguesa se revestem de primordial importância para nós. Tentaremos intervir progressivamente nestes mercados, especialmente em Angola, onde a Casal possui uma fábrica que neste momento se encontra encerrada. Veremos como evolui a situação económica e política nestes países, por forma a que a Casal possa encarar futuros investimentos.

 

 

A Casal aposta na segurança.

 

 

M.J.- Os construtores nacionais são acusados de produzir máquinas perigosas e de darem pouca importância ao capítulo da segurança. A Casal está consciente desta situação?

B.V.- Neste momento, existem regulamentos ao nível da comunidade europeia e a Casal irá colocar-se, sempre, dentro dos limites legais que fazem com que as nossas máquinas possam ser consideradas competitivas face à concorrência. Um veículo poderá ser perigoso, fundamentalmente, se o seu condutor não respeitar as normas mínimas de segurança. De qualquer forma, gostaria de referir o facto de as nossas máquinas terem sido exportadas para países muito exigentes nesse campo, casos da Suécia e da Ex. Alemanha Federal, onde foram sujeitos às mais severas inspecções, as quais foram ultrapassadas sem qualquer problema, de forma que não admito que os nossos modelos possam ser considerados inseguros.

M.J.- Mas alguns construtores nacionais produziam máquinas com características diferentes das que circulavam no nosso país, quando se destinavam à exportação

B.V.- Aquilo que fazemos para o mercado nacional é rigosamente igual ao que fazemos para exportação.

M.J.-Recentemente, surgiram algumas notícias que apontavam para uma ligação entre a Casal e Galp, no sentido de se desenvolver um propulsor adaptado à utilização de gasolina sem chumbo. Confirma estas afirmações?

B.V.- Há algum tempo que a possibilidade de utilização de gasolina sem chumbo nos nossos motores nos preocupava, simplesmente, como não somos produtores de combustíveis, estávamos dependentes da colaboração de alguma gasolineira. Conseguimos uma boa relação junto da Petrogal, que colocou à nossa disposição o componente que é utilizado para substituir o tetraetilo de chumbo e nós colocamos à sua disposição os componentes do motor que estão em contacto com a gasolina. Submetemos esses componentes a testes exaustivos e não encontrámos o mínimo de problema em qualquer deles. Mais tarde recebemos os resultados dos testes realizados pela própria Petrogal, os quais se assemelhavam aos que nós tinhamos obtido. Deste modo, podemos afirmar que qualquer motor Casal poderá utilizar gasolina sem chumbo.