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Esta reportagem foi integralmente retirada de uma revista Motociclismo dos anos 90. O texto e as fotos são da responsabilidade de Vitor Sousa.

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O Eng. João Casal é uma personalidade com peso na indústria e comércio das motos em Portugal. A marca que tem o seu nome conheceu um período de franco sucesso, permitindo a produção de motorizadas que foram mesmo exportadas para países com padrões de qualidade elevados, como a Alemanha. Depois, foi o ruir do edifício que o seu pai construíra no início dos anos sessenta.

Hoje a sua actividade prende-se directamente, e quase em exclusivo, com a representação da Suzuki no nosso país.

 

 

Há cerca de 40 anos um pequeno comerciante de motorizadas da região de Aveiro lançou os alicerces daquela que veio a ser uma das maiores marcas nacionais do sector. João Francisco Casal, começou por importar motores e motorizadas Zundapp, na altura em que a economia europeia ressurgia da crise pós- guerra. Na Alemanha da época, a motorizada era o meio de transporte privilegiado das classes mais baixas.

Os propulsores das motorizadas iam chegando e sendo distribuidos pelos construtores nacionais, (EFS, Macal, etc). As primeiras recordações de João Casal (filho) relacionadas com a actividade do seu pai, remontam a esse tempo. " É dificil apontar uma data, mas praticamente desde a escola primária que me lembro de "conviver" com os motores e os veículos de duas rodas."

A guerra colonial, no início dos anos 60, obrigou o governo a limitar a importação de artigos estrangeiros, tentando "empurrar" as empresas nacionais para a produção local. "Com base nisso, o meu pai tentou obter a licença de fabrico dos motores Zundapp em Portugal. Mas não chegaram a acordo, porque a Zundapp não demonstrou grande interesse. A solução foi montar os motores, integrando algumas peças feitas em Portugal, o que se verificou ainda durante cerca de dois anos. A experiência não satisfez por completo os objectivos, pelo que acabou por avançar para a montagem de uma fábrica"

Surgia a marca Casal. O primeiro modelo foi apresentado em 1965 e, a partir daí, João Casal esteve quase sempre ligado à marca. "O meu pai tentava que eu me envolvesse, o que veio a acontecer por uma questão de gosto pessoal pela mecãnica e por tudo o que a rodeia."

Era esse o seu desejo. "As pessoas não eram forçadas a vir para aqui. Nomeadamente, da familia fui o único a ficar ligado à empresa de forma mais directa." O ano de 1978 marcou a sua entrada na Casal, assumindo maiores responsabilidades. "Estive algum tempo ligado à componente técnica, não muito, depois passei pela parte comercial e acabei por assumir a responsabilidade... total."

 

A renovação empreendida pela Suzuki na gama tem contribuido para o sucesso da marca

 

Fases.

 

A década de 60 marcou um crescimento significativo da empresa. João Casal ainda não estava por dentro dos seus meandros, mas recorda-se dessa época. "O mercado ia aumentando e a indústria deste ramo atravessava uma época saudável, sem dificuldades, pode dizer-se". Esse crescimento foi constante e não parou durante anos. Até 1974! Com a mudança de regime, a situação complicou-se. E mais difícil ficou com o caos económico que se instalou no país. "Nós, que estávamos com valores de exportação muito bons, perdemos, até finais de 1976, os mercados para onde exportávamos. Por um lado porque diminuiram, como consequência das crises económicas provocadas pelos choques petrolíferos, por outro, porque houve, nessa altura, um aumento significativo e muito rápido do custo da mão de obra, sem o aumento da produtividade equivalente para compensar. Deixámos de ser competitivos em termos de preços". Esse factor conjugado com a diminuição de mercados levou a que a empresa fosse "varrida" face a uma concorrência mais forte. Fechavam-se os mercados, nomeadamente o das " provincias ultramarinas" para onde se vendia "uma parte razoável da produção". Cada uma destas condicionantes, só por si, não provocaria grande abalo numa empresa que estava implantada, mas a conjugação dos diversos factores, abriu as porta para a crise. Paradoxalmente, o mercado interno vivia um período de grande desenvolvimento, "o que veio compensar quase tudo o que referi atrás e evitar um abalo maior".

A Casal tinha mais de dez anos e começavam e começavam a surgir problemas de produção, mormente com a qualidade. "Surgiram então duas opções: ou remodelávamos o material que nuns casos estava obsoleto e noutros apresentava alguns defeitos, de forma a melhorarmos a qualidade da produção, ou não faziamos rigorosamente nada; deixávamos passar algum tempo, até porque a empresa estava com lucros razoáveis. Fez-se a opção que envolvia maiores riscos. O "tiro saiu pela culatra" mas, na altura, "esse parecia ser o caminho mais indicado até porque já se falava com insistência na adesão ao mercado comum, um espaço que os produtos nacionais podiam atingir com facilidade. Era essa a politica que nos convinha, porque a empresa nunca pensou nos mercados africanos, mas sim em vender para os países evoluídos do mercado europeu. Essa tendência acabaria por "rebocar" a qualidade e, talvez por isso, a Casal tenha exportado, no seu melhor período, vários milhares de unidades para a Alemanha.

 

 

 

Foi feito o investimento. "Com alguns meios próprios e recorrendo a financiamento externo." A economia portuguesa, porém, não colaborou. A taxa de juro aumentava, o escudo desvalorizava e todos os cálculos que tinham sido feitos inicialmente saíram "furados", por defeito. A dívida crescia. O equipamento adquirido no estrangeiro, tinha um custo final que excedia 20/30% o inicial.

A partir de 1978, um novo factor contribuiu para o agravar da crise. O mercado interno de motorizadas, que até aí respirava saúde, entrou em queda. "A empresa viu-se assim confrontada com uma diminuição de mercado e um decréscimo de vendas."

Caíram por terra os planos de crescimento e modernização da Casal. "Tinham sido projectados novos motores, um de 125cc e outro de 50cc, e introduzidas alterações ao nível da suspensão e até de linhas. Sobretudo, já tinhamos melhorado as condições de segurança dos veículos que produzíamos. Durante muitos anos a nossa marca foi a única a utilizar forquilhas e amortecedores verdadeiramente hidráulicos, por exemplo, o que reflecte a nossa preocupação com a qualidade," e contraria a ideia de que a produção nacional apresentava grandes lacunas. "Havia a ideia de que a indústria nacional só produzia "sucata", o que não correspondia à verdade. Tanto nós, como alguns dos nossos concorrentes, tinhamos produtos com uma qualidade razoável, mas claro que existia de tudo...."

A capacidade produtiva da Casal merecia elogios dos entendedores. A nível de equipamento, a fábrica era concorrencial com as suas congéneres europeias, no entanto, verificou-se um certo subaproveitamento de todo esse pontencial. "Isso aconteceu quando se verificou a quebra do mercado. A empresa estava dimensionada para o seu crescimento que se verificava aliás- e quando este diminuiu drasticamente, ficou sobredimensionada ou subaproveitada, o que se verificou igualmente noutros ramos da indústria. No fundo esse facto sucede sempre que há uma quebra de mercado, é assim mesmo e torna-se dificil prever esses acontecimentos. A produção, de uma maneira geral, está sempre abaixo ou acima das capacidades do mercado."

Foram estudadas algumas saídas: "Uma delas, viável noutros países mas não em Portugal era reduzir drasticamente o número de trabalhadores. Mas a lei não o permitia". O sobredimensionamento da empresa passou a ser também a nível de pessoal e não apenas em termos de equipamento. Encararam-se outras possibilidades, nomeadamente através de apoios governamentais à recuperação da indústria, mas também estes não se revelaram eficazes porque "a filosofia política que assistia a essa legislação não permitia a flexibilidade suficiente para fazer a cura das empresas de forma correcta." As medidas ideais eram tão drásticas que nunca foram aceites.

 

 

 

O perfil.

 

João Gonçalves Casal, nasceu em Aveiro em Novembro de 1946. É casado e tem dois filhos ( um rapaz e uma rapariga)- Formado em Engenharia Mecânica, possui uma personalidade peculiar. Reservado, correcto, merece a admiração de todos os que com ele convivem. É respeitado por colaboradores e gente do sector. Prefere passar despercebido, pelo que adopta uma postura "low profile" (expressão que não gosta particularmente).

Não está muito à vontade em entrevistas ou fotografias: só fica mais descontraido quando falamos do seu "hobby" preferido- a vela na ria de Aveiro- ou dos tempos de estudante em Coimbra.

Confessa que nunca foi um motociclista assumido e explica: "O meu interesse pelas motos, sempre foi maior pela parte técnica do que propriamente pela condução."

Colabora com a equipa de velocidade da marca "mas pouco, gostava de estar mais envolvido. Por outro lado, a componente técnica dessa equipa está em boas mãos."

Lê pouco, menos do que gostaria, "quase só leio livros técnicos," por deformação profissional. Quando tem tempo "capricha" uns petiscos e dá uma ajuda na cozinha, em casa acha que não lhe fica mal.

Enquanto estudante, viveu duas fases em Coimbra " a primeira antes da tropa, em que apanhei a época que se trajava de capa e batina o ano inteiro, algo muito prático porque se poupava imenso em roupa. A época não era desafogada e não se podiam sustentar grandes "avarias". Os únicos automóveis que havia na faculdade eram os de alguns professores. Os alunos andavam a pé ou de eléctrico, quando havia oito tostões para o bilhete. Depois da tropa, ainda estive dois ou três anos a trabalhar e só então decidi retomar o curso." Os tempos eram outros, "o único divertimento nocturno eram as tasquinhas da baixa. Foi uma época pacata." Nunca fez serenatas "porque não tenho o mínimo jeito, mas assisti a algumas de grande qualidade. Havia excelentes executantes nessa área e as condições acusticas da Sé Velha eram óptimas, sem que houvesse sequer o ruído do trânsito a perturbar."

Uma das suas maiores paixões é a vela. Pertence mesmo a uma associação local, o "Clube de Vela da Costa Nova." O contacto com a ria desenvolveu-lhe esse gosto desde miudo. Hoje em dia, percorre aqueles canais, como forma de descontracção-

A técnica apura-a nas regatas em que participa esporadicamente. " É nas regatas que apuramos a nossa pilotagem. Quando velejamos sózinhos, podemos achar que estamos a ir muito depressa e não é verdade. Porque sou perfeccionista gosto de dominar as técnicas que nos permitem tirar todo o partido de um barco à vela: só a competição é que nos tráz essa técnica."

Não encara a competição obcecado pelas vitórias. "Tenho ganho algumas, mas sobretudo divirto-me imenso com aqueles que quando perdem ficam muito aborrecidos."

Falámos de velas, ventos, mastros, afinações, truques da arte de velejar que João Casal domina, com orgulho, mas sem exibicionismos. Ele é assim.

 

O fim.

 

Mas a esperança na recuperação mantinha-se e não estava nos planos de João Casal  abandonar a empresa. "A minha familia tinha uma posição maioritária e foram tentadas todas as saídas, procurando pessoas interessadas em investir na empresa, através da injecção de capital" Com o passivo a aumentar, a situação era de pré falência. Procurou-se um acordo de credores, tentou-se renegociar a dívida. Conseguiu-se, ao cabo de dois anos de negociação, um acordo.

Surgiu finalmente um grupo de pessoas com interesse na empresa. Analisada a situação, foi apresentada uma proposta. "Queriamos manter-nos como accionistas, embora perdendo a posição maioritária, mas eles não aceitaram alegando que o investimento que iam efectuar, acabaria por valorizar as outras participações minoritárias. Como esta era a única forma de de salvar a empresa, acabámos por aceitá-la." A custo. "Por mim e pelo meu pai que foi o grande impulsionador da empresa, que investiu nela todo o dinheiro que tinha e todas as suas horas de trabalho."

Hoje, os novos responsáveis pela Metalurgia Casal apostam no relançamento da empresa, estando neste momento, sob a batuta de Barros Vale (Presidente do Conselho de Administração), a proceder às reformas necessárias.

 

 

 

Suzuki.

 

Mas antiga que a Metalurgia Casal, a empresa Veículos Casal foi fundada em 1960 por João Francisco Casal em associação com dois irmãos e um primo. Era uma empresa de distribuição de motorizadas e ainda hoje consumada a separação distribui as motorizadas Casal a par com outros armazenistas. Enquanto esse facto não entrar em conflito com os interesses da Suzuki (marca que importa desde 1986) que, por enquanto não se manifestou em contrário.

Uma marca como a Suzuki exige um "tratamento" diferente, a nível de distribuição, assistência pós-venda e promoção. Por parte do seu importador tem havido esse cuidado e gradualmente a marca japonesa vai conquistando terreno em Portugal. Em 1990, foi aquela que maior crescimento registou entre os condutores japoneses. "Nós acreditávamos que a Suzuki podia desenvolver-se e crescer em Portugal, mas é sempre dificil quantificar a perspectiva desse crescimento. Sabiamos que a marca estava mal trabalhada e simultaneamente, apercebemo-nos de que a Suzuki estava a fazer uma remodelação profunda em toda a sua gama, lançando modelos cada vez mais competitivos face à concorrência, o que nos deu perspectivas de um bom crescimento."

Relativamente ao mercado nacional, "deve continuar a crescer, talvez não de forma tão rápida quanto seria de desejar, mas isso vai verificar-se. É normal que isso aconteça num país que também está a desenvolver-se em termos económicos".

Em termos de mentalidade, algo está a mudar e essa mudança pode impulsionar o mercado. "Há muita gente que não sonhava vir a ter moto e já adquiriu uma. Pouco a pouco as entidades que têm algum poder legislativo sobre as motos, também estão a mudar a sua politica. À medida que o número de utilizadores aumentar, cada utilizador será um defensor da moto, pelo que que a mentalidade também será, forçosamente, outra. A qualidade do utilizador pode influenciar essa mudança, dado que o comportamento de cada motociclista é muito importante para a forma como o veículo e a própria classe são encarados." No caso da Suzuki, está a surgir um fenómeno curioso. " A marca está sem capacidade de resposta para satisfazer as encomendas dos diversos importadores, Portugal incluído. O mercado europeu está a crescer significativamente e a produção não acompanha o volume de encomendas."

A promoção de uma marca como a Suzuki, passa pela componente desportiva, uma àrea em que a empresa tem apostado. "É dificil quantificar a influência da aposta desportiva no número de unidades vendidas, mas em termos de imagem de marca é importante. Foi por isso que fomos para a competição. O objectivo é tornar a marca mais conhecida. As corridas são vistas sobretudo pelos utilizadores, ou potenciais utilizadores, das motos, pelo que constituem a forma mais directa de chegar ao público."

Honda e Yamaha instalaram-se em Portugal. Poderá a Suzuki seguir no mesmo caminho?  "Não vejo necessidade  no imediato. Mas tudo dependerá  das intenções da Suzuki. Se fizerem questão, não nos oporemos. De momento não há essa perspectiva e a dimensão do nosso mercado ainda não justifica tal medida. A suzuki tem adoptado essa politica em mercados muito grandes como são os de França, Itália, Alemanha ou Espanha."

João Golçalves Casal é um empresário empenhado na sua tarefa. Hoje, a Suzuki merece, compreensivelmente, uma maior atenção da sua parte através da empresa que gere. Para trás ficou o "folhetim Casal", cujas marcas ainda são visíveis. Há cicatrizes que demoram a sarar. Perder uma empresa que a familia construiu é uma ferida profunda; saber que se comtribuiu para a sua salvação pode ser um tónico para uma cura mais rápida.

 

 

A  aposta na competição faz-se nas diferentes àreas do desporto nacional. De forma mais directa (como na velocidade) ou apoiando equipas privadas como a Horizmoto.