Nacional: A moto portuguesa |
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Esta reportagem foi integralmente retirada de uma revista Motociclismo dos anos 90. O texto é da responsabilidade de Pedro Pinto e as fotos de Manuel Portugal. O site www.motorizadas50.com com a publicação destas reportagens pretende partilhar informações importantes sobre marcas e modelos que infelizmente já não se produzem e que dificilmente voltarão às páginas destas publicações. Se os autores/ responsáveis por estas reportagens acharem que este site ao publicar estes textos está a ir contra os interesses das publicações, enviem por favor um e-mail para motorizadas50@gmail.com que as mesmas serão imediatamente retiradas...
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A única sobrevivente conhecida de um projecto de construção de motos de grande cilindrada que nos anos 30 provou ser viável, não fosse a aproximação da II Grande Guerra.
Passados 60 anos, o dono da Nacional, Engº Norberto Pedroso, dá-nos a oportunidade de partilhar esta "obra prima," pois pô-la em exposição no Museu de Paço d'Arcos do Clube Português de Automóveis Antigos onde se destaca das restantes motos. Este exemplar foi encontrado no início dos anos 70 numa quinta junto do antigo Casino de Sintra e custou-lhe 1000$00. Só a conseguiu identificar mais tarde com a ajuda de Heitor Martins - um "ás" da mecânica da "velha guarda" - quando lhe disse que a altura do selim era inferior à de todos os outros modelos conhecidos que equipavam com o motor J.A.P. "Só pode ser uma Nacional" - foi a resposta do saudoso mecânico de Campo de Ourique. Posteriormente foi o Arqº Fernando Ramalho que descobriu na sua biblioteca uma reportagem de 1934 que anunciava o fabrico em série destas motos portuguesas. O presente modelo foi enviado para Inglaterra pouco antes do 25 de Abril de 1974 para restauro. Dois dos seus criadores, Augusto Maia e José Silvestre Freitas, ambos com mais de 80 anos, contaram-nos a sua participação no projecto, faltando apenas o testemunho de Manuel Seixas que, em 1939, emigrou para o Brasil. Pode ser que este artigo seja lido no país irmão por um descendente seu e que nos cheguem notícias do seu trabalho.
José Silvestre Freitas com a esposa, em Sintra, durante a Concentração de Motos Antigas de 1986, junto à sua criação.
O sonho realiza-se
Voltemos a Lisboa, ao ano de 1930. Dois jovens de 18 anos, Augusto Morais Maia e Manuel Júlio Malheiro de Seixas, ambos com a paixão da mecânica, encontram-se na garagem da Rua Rodrigues Sampaio, situada nas traseiras do último palacete da Av. da Liberdade que era da família Seixas, para desmontar a New Imperial (competição-cliente) de Manuel Seixas que mais uma vez tinha danificado o piston de alumínio fundido (em Lisboa) devido à elevada taxa de compressão. Aí passavam os dias da semana de volta das motos, nomeadamente da Coventry Eagle de Álvaro de Campos, não o heterónimo de Pessoa, mas um empregado bancário que a comprara de Henry Hatherley. Esta moto estava equipada com o comprovadíssimo motor J.A.P. inglês o que levou os dois jovens a sonharem com a possibilidade de construírem a sua própria moto.
No depósito surge a sigla S.M.C. resultado da associação de(Manuel) Seixas a Marinho Cruz num momento em que o dinheiro faltava.
No verão seguinte, estes que são considerados dois dos melhores motociclistas da época, têm por objectivo iniciar uma indústria de motocicletas em Portugal, aproveitando o grande salão da quinta de Stoº Amaro, pertença da mãe de Seixas, para aí efectuarem os primeiros desenhos. Cada um tem um projecto; Seixas está mais virado para a competição e desenha uma moto de corrida, de linhas arrojadas, quadro com um ângulo maior que o habitual em relação à forquilha de modo a molejar menos e conservar a roda traseira continuamente em baixo, caixa Sturney Archer de 4 velocidades e dois pedais de travão, o primeiro accionando o detrás, o segundo os dois, para além do travão da frente independente. Maia, por seu turno, desenha uma moto de turismo, com um quadro de duplo berço com um centro de gravidade muito baixo, rolamentos cónicos na coluna de direcção, um depósito de linhas muito elegantes, caixa Albion de 4 velocidades e um "pilow" no guarda-lamas traseiro para o passageiro. Ambos os projectos são feitos ao pormenor, necessitando a equipa de alguém que passe a "coisa" do papel para a realidade. José Silvestre de Freitas tinha 25 anos na altura mas já era um profissional de motos com larga experiência. Despede-se da casa Henry Hatherley onde era chefe de oficina e passa a alinhar com Seixas e Maia no fabrico dos modelos, agora já num armazém na Estrada de Benfica junto ao Jardim Zoológico.
O motor J.A.P. inglês, muito utilizado na época por várias marcas de motos, foi a solução encontrada pelos seus construtores para motorizar a moto portuguesa.
Segundo Silvestre foram importados materiais para dez motos, mas Maia afirma que apenas importou o suficiente para cinco unidades. Os motores, lembra-se, já vinham acopulados às caixas de velocidades para pagarem menos impostos
As primeiras unidades
O fabrico dos quadros foi muito trabalhoso, pois recorreram ao processo inglês - uma soldadura dentro de uniões de ferro fundido de primeira qualidade, obtido da fundição dos pés das máquinas de costura Singer... No verão de 1934 completou-se a primeira moto, a de Seixas, e de seguida a segunda, a de Maia. Foram ensaiadas na Granja do Marquês, com cronometragem oficial. Augusto Maia lembra-se que na máquina de competição de Seixas conseguiu atingir a velocidade de 164 km\h, sendo obrigado a "cortar gás" pois a trepidação era demasiada; o selim era rígido, a moto não tinha suspensão traseira (como acontecia na época com quase todos os modelos) e o ângulo da forquilha tornava-a uma "bone shaker," como diziam os ingleses. Ficou decidido que a moto a construir em série seria a réplica de Augusto Maia, considerando o modelo normal ou "sport". Em 1935 venderam-se pelo menos dois exemplares pelo preço de 6000$00 cada. Entretanto o dinheiro escasseava, Maia é obrigado a empregar-se, afastando-se do projecto, e Seixas resolve fazer sociedade com Carlos Martinho da Cruz, daí as letras S.M.C. (Seixas e Martinho da Cruz). A produção continuou até 1939, ano em que começa a II Guerra Mundial. José Silvestre que se mantivera no fabrico das unidades é obrigado a mudar de ramo e Seixas pega na moto de competição, nos planos e em tudo o que sobra rumando ao Brasil para aí continuar o fabrico de motos. Não sabemos se o conseguiu.
Para a época, a moto apresentava acabamentos de elevada qualidade.
A competição
O processo de homologação, como tudo neste país de burocracias, foi lento, pelo que só se conseguiu registar uma única nacional, sendo as restantes registadas como reconstruções, o que impossibilita a identificação de quantas Nacional ou S.M.C terão circulado em Portugal. José Silvestre Freitas era um homem irrequieto que fez um pouco de tudo na vida. Hoje, com 88 anos, apesar de ter trabalhado com todas as marcas relembra com saudade todos estes acontecimentos e foi com grande satisfação que, encontrou na Concentração de Sintra de 1986 o Engº Norberto Pedroso aos comandos da "menina dos seus olhos", a Nacional. Lembra-se ainda muito bem que em 1935 resolveu ir correr com a Nacional ao Circuito Marechal Gomes da Costa, no Porto. Manuel de Seixas, o piloto, viu a moto cair-lhe em cima de um pé quando lhe montavam as rodas, fracturando-o. Jaime Campos, vencedor da classe Sport, aceitou pilotar a Nacional em vez da sua já cansada Royal Enfield. De início o despique foi intenso entre Campos e Ângelo Bastos, Campeão Nacional, em Rudge. À 11ª volta tudo indicava que a vitória sorriria à moto portuguesa, mas um problema técnico acabou por afastá-la da prova, brm como à Rudge que acusou o esforço das primeiras voltas. Venceu Fonseca Gil. Outros planos foram feitos, mas nunca passaram do papel.
A perfeição e elegância da Nacional\S.M.C. poderia levar qualquer entendido a considerá-la uma produção das marcas inglesas que proliferavam nos anos 30.
Por ordem do pai de Augusto Maia
Enterrada pelo caseiro Augusto Maia recorda com saudade a sua Nacional. Durante cinco anos foi a sua companheira. Viagens, a maior que fez foi a São João da Madeira e regresso no mesmo dia, sem problemas. Mas, segundo o seu pai, as motos eram um perigo, pelo que, aproveitando uma semana em que havia deixado a moto toda desarmada para pintar na quinta de Stº Amaro, o pai obrigou o caseiro a enterrar a moto, como já havia feito com o carro do seu amigo, mais tarde médico, Eurico Pais, pois achava que eles acabariam por se matar ou matar alguém. Os tempos eram outros e o respeito era outro. A moto lá ficou debaixo de terra na quinta onde nunca se saberá, pois o caseiro prometeu ao seu pai que nunca lhe diria o local e não disse.
Augusto Maia, 63 anos, sentado aos comandos da Nacional\ S.M.C. de 500cc.
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